Hoje estamos publicando o conteúdo da palestra:” EDUCAÇÃO SEXUAL NO COTIDIANO ESCOLAR: DECLARAÇÃO DE DIREITOS SEXUAIS COMO DIREITOS HUMANOS” da palestrante Profa. O.E. Dra. Sônia Maria Martins de Melo. Conforme combinamos durante o XXIX Seminário Estadual dos Orientadores Educacionais de Santa Catarina, vamos postar a cada semana os conteúdos ou textos que foram apresentados nas palestras do referido Seminário. Segue fotos e o texto trabalhado no dia 28/06/2023.

Na foto a palestrante Profa. O.E Dra. Sônia Maria Martins de Melo e a Profa. O.E Diléia Pereira Bez Fontana, Presidente da AOESC, na coordenação da mesa.

Educação sexual no cotidiano escolar: Declaração dos direitos sexuais como direitos humanos.

Sonia Maria Martins de Melo

 Um seminário da AOESC foi, é e sempre será um coletivo de educadores e educadoras lutando por um mundo melhor para todas as pessoas, buscando auxiliá-las a um viver pleno sempre maravilhosamente sexuado, tanto no nível individual quanto no coletivo. Neles temos a oportunidade de conhecer diversos caminhos trilhados por pessoas especiais, que têm em comum o compromisso com uma educação democrática, baseada nos direitos humanos como caminho de cidadania, cidadania essa sempre sexuada, pois a sexualidade é uma dimensão inseparável do existir humano. Neste espaço privilegiado de trocas entre diversos saberes e fazeres temos a satisfação de reconhecer muitos de nossos avanços, conseguidos em relatos sobre projetos políticos- pedagógicos, relacionados direta ou indiretamente às nossas instituições escolares. Mas nestes nossos eventos, há já algum tempo, muitas vezes brota em nós também certa   perplexidade, frente aos as vezes aparentemente inexplicáveis recuos nas práticas pedagógicas emancipatórias das comunidades escolares (profissionais atuantes na educação, seus alunos e familiares), mesmo tendo como suporte leis que ainda tem brechas a um fazer intencional, contundente e mais incisivo na temática da sexualidade, via propostas e projetos intencionais de educação sexual emancipatória. Como explicar esses recuos, esse aparente retorno ao um modelo conservador e repressivo no que se refere à educação sexual, mesmo por aqueles considerados bons educadores e educadoras? Como explicar essa dificuldade imensa que ainda é lidar com essa questão, para muitos de nós inclusive e para nossos/nossas docentes especialmente, no cotidiano de suas salas de aula, junto às nossas crianças e adolescentes? E como anda a atuação dos especialistas em educação, dentre eles os e as OES, nessa questão? Se fosse fácil educar nesta abordagem, nas nossas universidades, nos nossos cursos de formação sistematizada de professores/as, redutos que devemos ser de pesquisa de excelência e, também nos de sua formação continuada, já daríamos conta em plenitude de uma proposta emancipatória, ou conseguiríamos no mínimo formar licenciados que tivessem algumas das competências necessárias para trabalharem os direitos sexuais também como direitos humanos nas escolas. Estamos conseguindo fazer isto? Ou em nossos currículos, principalmente, os “ocultos”, passamos às nossas crianças e jovens, mesmo sem perceber, tristes mensagens repressoras sobre essa potente dimensão humana e depois exigimos deles que deem conta, nas suas práticas pedagógicas, daquela perspectiva de emancipação que nós não lhes demos ao formá-los? Há que se pensar muito sobre isto. Podemos evitar a repetição do triste dito popular: “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”? Antes de “municiar” nossos docentes em formação regular e-ou na continuada, com preciosas e bem-intencionadas receitas de “como fazer” educação sexual com seus alunos e alunas, façamos juntos com esses educadores e educadoras inicialmente uma caminhada de redescobertade nós mesmos como seres maravilhosamente sexuados: “me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente”, nos disse Paulo Freire. Podemos começar nossas reflexões respondendo as seguintes questões: por que ainda ficamos inibidos diante do tema sexualidade? Você é sexuado? Nessa caminhada formativa intencional há que desvelar a sexualidade como dimensão inseparável do existir humano, nas suas relações sociais, em todas as etapas de suas vidas, em qualquer época, local e ambiente, inclusive o escolar. Junte-se esta afirmação com o fato indiscutível de que educação é um permanente fenômeno humano, social, sempre sexuado. E surge daí uma nova questão: a educação, e nela a educação sexual, só existe quando alguém determina isto? Há que desvelar neste processo formativo de busca de quem somos, como educamos e como fomos/somos educados, que a sociedade humana é sempre agência educadora, onde todas as pessoas e cada uma sempre se educam, são educados e educam também sexualmente, no processo do existir humano. Somos, todas as pessoas, queiramos ou não, saibamos ou não, educadores e educadoras sexuais uns dos outros num permanente processo de educação sexual existente entre os seres humanos. Mas essa educação entre as pessoas nunca é neutra, sempre advém do modo de produção de vida das pessoas e norteia todo o conhecimento produzido no mundo. Isto porque, cada grupo social, em cada época, em cada cultura, na classe a qual pertence, expressa sua visão de mundo em paradigmas que correspondem” as suas estruturas de pensamento que, de modo quase inconsciente, comandam seu modo de ser, de olhar, de fazer, de falar sobre as coisas e as pessoas, são os sistemas mentais que filtram as informações que recebemos, ignoramos, censuramos, rejeitamos, desintegramos o que não queremos saber.” (Moran, citado por Azibeiro). E a educação sexual, inseparável de cada modo de ser e viver, portanto, também tem seu paradigma. Podemos e devemos refletir sobre nossos processos de formação, sobre qual nosso paradigma de educação sexual, buscando conhecer quais suas vertentes pedagógicas no Brasil, a maioria repressora, ainda preponderantes neste modo de viver desumano que é o capitalista, mas também há que buscar construir   a utopia possível de sua superação, aquela emancipatória. Nesta direção há que fazer uma leitura minuciosa da Declaração dos direitos sexuais como direitos humanos, de 2014, da WAS, que é uma potente expressão de indicadores como podemos viver uma abordagem de educação amparada pelos direitos humanos, nela incluída a educação sexual. Esta declaração que pode ser acessada no link https://spsc.pt/wp-content/uploads/2017/01/DIREITOS-SEXUAIS-WAS.pdf,  tem possibilidades imensas de ser inserida no projeto político pedagógico das escolas, para subsidiar a construção intencional de processos de educação sexual emancipatória no cotidiano escolar. Para isto partilhamos algumas pistas pedagógicas. Uma delas é a de sempre trabalhar em espaços sensibilizadores possíveis com 3 momentos interligados: quem somos? DIAGNÓSTICO (ponto de partida); quem queremos ser? UTOPIA (ponto de chegada); como chegar lá? PLANEJAMENTO. Estes momentos são de reelaboração de conhecimentos e devem ocorrer sempre dentro de um contexto o mais participativo possível, com a participação entendida como COM, e não POR ou PARA. A partir daí, nesse processo de planejamento, seja para projetos intencionais amplos (PPP da escola) ou setoriais na escola (com as turmas, com pais, com os docentes etc.):1. parte-se da realidade e da situação específica de cada grupo;2. é provável que assim os conteúdos sejam de interesse real, as formas de trabalhar sejam as mais apropriadas e seja mantida a coerência entre a forma de apresentação e a filosofia educativa a ser transmitida; 3. o processo será mais motivante e enriquecedor, por ser democrático e coletivo. O grupo coordenador deve buscar envolver o maior número possível de membros da comunidade nos debates e reflexões, com metodologias e recursos dinâmicos e adequados, sempre respeitando e partilhando objetivos definidos conjuntamente, mas sempre vivenciando algumas etapas básicas: etapa de sensibilização da comunidade sobre a temática, culminando com o planejamento; etapa de execução ativa do planejado e etapa de avaliação e replanejamento. Na etapa de sensibilização: todos os espaços são válidos para vivenciar esta etapa: reuniões, questionários, entrevistas, seminários, tudo que for possível e passível de ser feito para sensibilizar a comunidade sobre a importância de se tratar intencionalmente, coletivamente, do tema. A equipe que está articulando e coordenando o processo deve estar se reunindo sistematicamente para estudar e avaliar o processo e reencaminhar as metodologias. Estudo e realimentação nesse grupo é fundamental, depois deve ocorrer a volta ao coletivo. Ação-reflexão ação, no macro (comunidade) e no micro (grupo coordenador). Já a etapa de execução ativa do planejado deve ser feita pelos caminhos metodológicos decididos coletivamente. Chega-se então na etapa de avaliação, a ser realizada permanentemente pelo grupo coordenador e, no mínimo, a cada semestre, com a comunidade, que será chamada para avaliar e reorientar o processo e nele, os projetos de educação sexual planejados e em andamento. Todos esses indicadores e sugestões só farão sentido se forem expressão de uma real vontade política da comunidade e de cada um-a de buscar mudanças e de reconstruir e vivenciar novos paradigmas educacionais que respeitem a dignidade humana, sempre sexuada. Só assim daremos um sentido pleno a essa tal de Educação sexual intencionalmente emancipatória numa perspectiva dos Direitos sexuais como direitos humanos, pois lembremo-nos as outras abordagens repressoras estão vicejando por aí, ainda com muita força. Estas são algumas sugestões advindas de mais de 30 anos de trabalho coletivo do Grupo EDUSEX Formação de Educadores e educação sexual da FAED/UDESC, a luz de nosso paradigma e nosso compromisso de vida, que partilhamos com alegria com quem nos ouve no Seminário e nos lê no seu Boletim. Mas temos a certeza, cada um/uma que luta cotidianamente por um mundo com justiça na igualdade e equidade para todas as pessoas, portanto pela sua plena cidadania e tendo, portanto, a necessária clareza de sua visão de mundo e seu objetivo na educação, certamente já trilhou, está trilhando ou trilhará caminhos emancipatórios na educação e dentro de nossas escolas. Só assim a educação que pretendemos terá sentido. Sabem por quê? Já nos deu a resposta Paulo Freire quando escreveu que “a educação terá sentido quando as mulheres e os homens aprenderem que é aprendendo que se fazem e refazem, e se assumirem como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que ainda não sabem. A educação assim terá sentido porque, para serem, mulheres e homens, precisam estar sendo. Se as mulheres e homens simplesmente já fossem, não haveria o porquê falar de educação”. E nos disse ainda Paulo Freire: “se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. Nesta mesma direção, votos de vida longa à nossa AOESC pela sua luta permanente e pelas suas práticas coerentes em apoio a um mundo melhor, via educação emancipatória, nela inserida a luta por direitos sexuais como parte inseparável do existir humano. Florianópolis, junho de 2023. Um abraço carinhoso.  Sonia Melo

soniademelo@gmail.com

Atenciosamente,

A Diretoria Executiva da AOESC.

Gestão 2021/2023.